“Gabinete de Pastores”: Ministro pede pra sair, mas crimes não somem

06/04/2022 (Atualizado em 06/04/2022 | 12:19)

Foto: Sérgio Lima/Poder360
Foto: Sérgio Lima/Poder360

O escândalo do “gabinete de pastores” que funcionava no Ministério da Educação com o consentimento explícito do então ministro Milton Ribeiro continua sem a devida explicação. Ribeiro, que deixou o cargo recentemente após a repercussão do caso, confirmou à Polícia Federal, em depoimento, que o presidente Jair Bolsonaro solicitou que fossem atendidos os pleitos apresentados pelos pastores Gilmar Silva dos Santos e Arilton Moura.

Aos investigadores o ex-ministro confirmou o que havia dito em conversa com prefeitos e lideranças religiosa, cujo áudio foi divulgado pelo jornal Folha de S. Paulo. Ribeiro se recusou a participar de sessão na Comissão de Educação do Senado, onde poderia explicar o caso e o seu suposto envolvimento no esquema criminoso.

Gilmar e Arilton intermediavam a liberação de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para prefeituras e, como contrapartida, cobravam propina em dinheiro, barras de ouro e por meio da compra forçada de exemplares da Bíblia.

Tão logo o escândalo veio à tona, líderes da comunidade evangélica entoara uma ruidosa crítica aos pastores, inclusive a Milton Ribeiro, mas a gritaria perdeu força nos últimos dias. Não se deve descartar uma atuação do Palácio do Planalto nos bastidores para acalmar os ânimos no campo evangélico, base de apoio de Jair Bolsonaro.

Tribunal de Contas da União (TCU) determinou, na segunda-feira (4), a imediata abertura de uma inspeção no Ministério da Educação para apurar os repasses feitos a prefeituras com intermediação da dupla de pastores evangélicos. A determinação é do ministro Walton Alencar Rodrigues, do TCU.

Mesmo com a investigação conduzida pela Polícia Federal e a apuração determinada pelo TCU, é preciso quebrar os sigilos telefônico, telemático e bancário dos envolvidos para rastrear o dinheiro da propina. Sem essa medida o País estará em breve diante de mais um escândalo sem solução.

Pastor pediu ouro para ‘destravar’ demandas no MEC

O prefeito Gilberto Braga, de Luís Domingues (MA), confirmou, nesta terça-feira (5), que o pastor Arilton Moura cobrou pagamento de propinas no valor de R$ 15 mil e em barra de ouro para destravar as demandas do município junto ao Ministério da Educação. A fala ocorreu durante audiência convocada pela Comissão de Educação do Senado Federal.

Em oitiva aos senadores membros do colegiado, Braga narrou que esteve em uma agenda em Brasília, em 7 de abril do ano passado, para tratar da destinação de verbas do MEC para o município maranhense. Tratava-se de uma palestra na qual estava presente Arilton Moura, secretário da Convenção Nacional de Igrejas e Ministros de Assembleias de Deus no Brasil Cristo para Todos.

Após o evento, o religioso teria convidado mais de 20 prefeitos presentes para irem almoçar. Foi nessa ocasião que teria ocorrido o pedido de propina, segundo Braga.

“O pastor Arilton Moura convidou todos os prefeitos para um almoço em um restaurante e disse que seria por conta dele. Foi quando o pastor Arilton virou para mim e quis saber minhas demandas; apresentei para ele e ele me disse: ‘Você vai me arrumar os R$ 15 mil para mim [sic] protocolar as suas demandas e, depois que o recurso já estiver empenhado, você, como sua região é de mineração, vai me trazer 1 kg de ouro’”. Gilberto Braga

Braga relata que se recusou a cumprir com a oferta e que, após o episódio, os recursos não foram liberados ao município. O prefeito maranhense também disse que os valores apresentados pelo pastor para destravar demandas na pasta foram divulgados a todos os prefeitos presentes no almoço.

Café com o ministro

Ainda na audiência, o prefeito Calvet Filho, de Rosário (MA), confirmou aos senadores ter se encontrado com o ex-ministro da Educação Milton Ribeiro em seu apartamento, na Asa Norte, em Brasília, para conversar sobre as demandas educacionais do município. O gestor disse que “tomou um café” com o ex-titular do MEC.

“Tenho uma equipe em Brasília que fica responsável por captar recursos. Conseguimos uma agenda para falar com o ministro; não era uma agenda formal: onde ele estivesse, nós nos encontraríamos com ele”, narra.

Leia também: Bolsolão do MEC: ex-ministro confirma que Bolsonaro mandou receber pastor

O encontro, segundo Calvet, ocorreu após visita do ministro ao município para acompanhar obras federais do ministério. “No ano passado, estivemos aqui a visita de Milton, e o conheci pessoalmente. Esteve para ver a obra no IFI, momento que o conheci pessoalmente e comecei a fazer algumas reivindicações sobre a nossa cidade, de obras que estavam paradas: duas creches, aparelhos públicos que estão virando elefantes brancos”, relatou.

O gestor municipal, porém, nega ter recebido pedido de propina de Ribeiro. “Em momento nenhum me pediu propina. Tratei direto com o ministro”, enfatizou, ressaltando que não houve interlocução de pastores para tratar das demandas municipais.

Estratégia conhecida

O escândalo de corrupção envolvendo as negociações para compra de vacinas contra covid-19 pelo Ministério da Saúde foi alvo da CPI da Pandemia, que funcionou no Senado Federal, mas até o momento ninguém foi punido pelos crimes.

Ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias, indicado ao cargo pelo deputado federal Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara, foi acusado de cobrar propina de R$ por dose da vacina da AstraZeneca contra covid-19. O pedido de propina foi feito no âmbito de eventual compra de 400 milhões de doses do imunizante.

Como se não bastasse, Dias teve boletos emitidos em seu nome pagos pela empresa VTC Log, que tem contrato com a pasta. Os boletos, alguns emitidos pela Voetur Turismo, começaram a ser quitados onze dias após manobra que transferiu um contrato milionário da VTC Log para o setor sob o comando de Roberto Dias. A Voetur Turismo e a VTC Log pertencem ao mesmo grupo empresarial. A Comissão Parlamentar de Inquérito chegou a essa conclusão.

A CPI tomou o depoimento de Ivanildo Gonçalves da Silva, que trabalha como motoboy para a VTC Log e suas declarações reforçaram as suspeitas. Ele confirmou à CPI que realizou diversos saques de altas quantias a mando da empresa, o maior deles foi de aproximadamente R$ 400 mil.

À época, a CPI mostrou que as idas de Ivanildo a agências bancárias para realizar os saques coincidiram com as datas de pagamentos dos boletos emitidos contra Roberto Ferreira Dias.


Fonte: Socialismo Criativo - Com informações do Metrópoles e Ucho.Info