Senadores criam estratégia para chegar a família Bolsonaro

15/07/2021 (Atualizado em 16/07/2021 | 10:10)

Foto: AP Photo/Eraldo Peres
Foto: AP Photo/Eraldo Peres

A cada dia que passa as suspeitas sobre a família do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) aumentam. Os senadores da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia traçaram uma estratégia para chegar ao clã, especialmente, o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ). As empresas investigadas pelos senadores podem ser o elo.

Nomes próximos dos Bolsonaro, como o do advogado Frederic Wassef, também estão na mira da CPI. O colegiado suspeita que Wassef e outras pessoas ligadas à família do presidente podem ser o elo entre essas companhias e o clã. As informações são da colunista Bela Megale, do jornal O Globo.

Por isso, um dos principais focos da CPI são as quebras de sigilo da Precisa Medicamentos e das organizações sociais que atuam em hospitais do Rio de Janeiro. O objetivo é encontrar conexões com a família do presidente. Para isso, os senadores avaliam, inclusive, usar as duas semanas do recesso parlamentar para fazer diligências no Paraguai e no Rio de Janeiro.

A ação no país vizinho envolveria uma companhia que teve relação com a Precisa e a negociação da vacina Covaxin. Já no Rio, as medidas focariam as organizações sociais listadas pelo ex-governador Wilson Witzel e que, segundo ele, têm relação direta com Flávio.

Quebra de sigilo do advogado de Flávio Bolsonaro

Os parlamentares também planejam pedir as quebras de sigilo de Wassef, advogado de Flávio Bolsonaro. Hoje, porém, a avaliação é de que a comissão não tem elementos para embasar a solicitação.
Os senadores acreditam que informações provenientes das empresas podem trazer elementos que justifiquem medidas relacionadas a Wassef.

No mês passado, o advogado foi ao Senado no dia do depoimento dos irmãos Miranda, que denunciaram o caso Covaxin. A presença dele foi interpretada como uma tentativa de intimidação por parte dos senadores.
Detalhes da ligação de Flavio Bolsonaro com a Precisa

Os parlamentares também querem saber mais sobre as conexões entre Flávio Bolsonaro e a Precisa. Como informou a revista VejaFlávio chegou a intermediar um encontro do dono da empresa, Francisco Maximiano, com representantes do BNDES.

Segundo o senador, a reunião era para tratar de empréstimo envolvendo outra companhia do empresário que trabalha com instalação de fibra óptica no Nordeste. A justificativa não convenceu boa parte dos senadores.

Governo Bolsonaro aceitou garantias questionáveis

A cada dia surgem novas suspeitas de irregularidades no contrato para a compra da Covaxin com o Ministério da Saúde. Documentos obtidos pela Folha de S. Paulo mostram que para assinar o contrato da vacina indiana, o governo Jair Bolsonaro aceitou da Precisa Medicamentos uma garantia do tipo pessoal, fora do prazo e sem previsão contratual.

Responsável pela intermediação na compra do imunizante, a Precisa Medicamentos entregou ao ministério uma “carta de fiança” emitida pela empresa Fib Bank Garantias S.A., sediada em Barueri (SP).
A carta afiança um valor de R$ 80,7 milhões, equivalente a 5% do valor contratado, R$ 1,61 bilhão.

A Precisa aparece como “afiançada”. O “beneficiário”, conforme o documento, é o Ministério da Saúde, por meio do Departamento de Logística em Saúde da Secretaria-Executiva.

Naquele momento, o diretor do departamento era Roberto Ferreira Dias e o secretário-executivo, coronel Elcio Franco, a quem cabia a negociação de vacinas. O primeiro foi demitido após ser acusado de cobrança de propina no mercado paralelo de imunizantes. O segundo é alvo central da CPI da Covid no Senado e tem hoje um cargo de confiança na Casa Civil da Presidência.

A garantia dada deve ser acionada em caso de descumprimento de cláusulas pela Precisa, intermediária da indiana Bharat Biotech. O objetivo é garantir a “operação financeira e logística” do contrato.

Garantia pessoal não é prevista em contrato

A própria Fib Bank descreve o documento entregue ao ministério como uma “fiança fidejussória”. O site da empresa também afirma que o serviço prestado é o de “garantia fidejussória”, que consiste em uma “garantia pessoal, seja ela de pessoa física ou jurídica”.

Porém, o contrato entre Ministério da Saúde e Bharat Biotech, assinado pela Precisa Medicamentos no papel de representante, não prevê garantia do tipo pessoal.

Segundo o contrato, assinado em 25 de fevereiro, a garantia no valor de US$ 15 milhões (R$ 80,7 milhões) deveria ser dada por uma de três modalidades possíveis: caução em dinheiro ou em títulos da dívida pública; seguro-garantia; e fiança bancária.

A garantia fidejussória é como se fosse um aval pessoal, sendo bem mais frágil do que as outras garantias especificadas no contrato para a compra da Covaxin, conforme os especialistas ouvidos pela Folha. Por se tratar de caso específico, os especialistas foram ouvidos de forma reservada, conforme o jornal.

Justiça de SP rejeitou garantia pessoal da empresa

Uma decisão da Justiça comum em São Paulo já rejeitou, em outro caso, uma garantia de R$ 480 mil prevista em “carta de fiança” emitida pela FIB Bank Garantias.

“Verifico que a FIB Bank, emissora da carta de fiança, não é instituição bancária e, desse modo, a garantia apresentada não é bancária mas fidejussória, e por isso não pode ser aceita, por ausência de segurança jurídica suficiente”, cita uma decisão judicial de março de 2020.

À Folha a FIB Bank confirmou que não está cadastrada no Banco Central e que não é uma instituição financeira, tampouco uma empresa seguradora. Trata-se de um “fundo garantidor de crédito, que atua com a oferta de garantias fidejussórias”, afirmou em nota à reportagem.

A “fiança fidejussória” é cada vez mais utilizada por ter um custo menor em comparação aos “abusivos preços cobrados” por bancos e seguradoras, conforme a nota.

Governo Bolsonaro ignorou prazos descumpridos

Sobre as negociações com a Precisa, a FIB Bank afirmou existir sigilo. “A utilização e adequação da garantia contratada é analisada e conduzida por cada cliente.” A empresa enviou duas decisões judiciais que validaram o uso da garantia fornecida a outros clientes.

No caso do contrato com a Saúde, a Precisa descumpriu ainda o prazo para apresentação da garantia, o que foi aceito pela pasta sem contestação.

O contrato estabelece que a garantia deveria ser entregue num prazo de dez dias após a assinatura do termo. Em email à Precisa e ao advogado Túlio Belchior Mano da Silveira, representante da empresa, a área técnica do ministério encaminhou cópia do contrato assinado em 25 de fevereiro e cópia da nota de empenho, com autorização do gasto de R$ 1,61 bilhão, emitida três dias antes.

A “carta de fiança” da FIB Bank foi emitida e assinada em 17 de março, dez dias depois do prazo contratual. O vencimento estipulado foi 17 de março de 2022, também distinto do especificado pelo ministério.

Todos os prazos foram desrespeitados

A quebra de cláusulas contratuais sobre garantias se soma a outras quebras no curso do processo de compra da Covaxin.

Todos os prazos de entrega das doses foram desrespeitados; nenhuma chegou ao Brasil até agora. Além disso, a Precisa tentou, por duas vezes, garantir um pagamento antecipado de US$ 45 milhões na importação de um primeiro lote de 3 milhões de doses, o que não ocorreu, nem a entrega nem o pagamento.

O pagamento antecipado apareceu em duas faturas (as “invoices”) emitidas por uma empresa em Singapura, a Madison Biotech, e fornecidas ao ministério pela Precisa, numa primeira tentativa de importação.

Investigação das notas

Essas “invoices” são investigadas pela CPI e por Polícia Federal, Ministério Público Federal, Tribunal de Contas da União (TCU) e Controladoria-Geral da União (CGU). Suspeitas de corrupção no contrato são investigadas em todas essas frentes.

O contrato foi suspenso pelo governo Bolsonaro por decisão da Corregedoria-Geral da União, que funciona no âmbito da CGU. O Ministério da Saúde avalia anular a contratação.

Em uma audiência na Câmara nesta quarta-feira (14), o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, disse que a pasta não conta, para o Programa Nacional de Imunizações e campanha contra a Covid-19, com doses da Covaxin.

Na CPI, durante o depoimento prestado nesta quarta, a diretora-técnica da Precisa, Emanuela Medrades, foi questionada pelos senadores sobre a existência de garantia no negócio, como prevê o contrato. Ela respondeu que sim, mas sem fornecer detalhes a respeito da garantia dada.

Nem a Precisa nem o ministério responderam aos questionamentos da reportagem sobre a garantia entregue após o contrato.

Com informações da Folha de S. Paulo e O Globo

Fonte: por: Ana Paula Siqueira / Socialismo Criativo