Enquanto país patina no combate à pandemia e avança na pobreza, governo prioriza reformas antipopulares

26/05/2021 (Atualizado em 26/05/2021 | 13:48)

Foto: José Cruz/Agência Brasil
Foto: José Cruz/Agência Brasil

Enquanto o país patina no enfrentamento à Covid e a pobreza aumenta, o governo Bolsonaro prioriza reformas liberais que enfraquecem os serviços públicos prestados à população, elevam os gastos da máquina pública e contribuem para o aumento da corrupção. É o que dizem estudos técnicos a respeito da PEC da Reforma Administrativa (nº 32/2020), que foi aprovada nesta terça-feira (25), na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados. O texto segue agora para análise em comissão especial.

Parlamentares do PSB afirmam que a proposta é flagrantemente inconstitucional: desmonta o arcabouço jurídico da administração pública definida pela Constituição de 1988, fere cláusulas pétreas e agride o princípio que rege a administração pública, que é o concurso público.

Contrário à aprovação da PEC, o PSB e os demais partidos da Oposição apresentaram voto separado contra a admissibilidade da PEC, que não foi apreciado.

Sem um diagnóstico, projeções ou dados substanciais que dão respaldo aos resultados esperados com o novo texto, a PEC 32/2020 fere direitos constitucionais e sociais e representa grande retrocesso ao serviço público no país, avaliam socialistas.

Entre as mudanças está a extinção do Regime Jurídico Único e criação de cinco novos vínculos com o governo, a flexibilização e a restrição do princípio da estabilidade do servidor público, o aumento do poder do presidente da República para alterar a estrutura da administração pública, além da restrição à ação estatal na economia.

A PEC, que propõe um modelo com base na administração pública gerencial, altera também a forma de organização do Estado com relação a cargos de chefia. As atuais funções de confiança, ocupadas exclusivamente por servidores efetivos, por exemplo, serão substituídas por cargos de liderança e assessoramento, com processo seletivo simplificado.

Já as Escolas de Governo, responsáveis pela formação e aperfeiçoamento de milhares de servidores em todo o país, com cursos de alta qualidade, inclusive reconhecidos pelo Ministério da Educação, foram extintas no texto do governo.

De motivação ideológica, a proposta é uma tentativa de ‘desinstitucionalizar’ o Estado e de mobilizar a sociedade contra servidores públicos, denuncia o PSB.

“O momento exige, mais que nunca, um Estado que atenda aos interesses do cidadão. Se antes da pandemia já era um equívoco reduzir seu papel , agora com a pandemia e o aprofundamento das desigualdades sociais é inadmissível. Não podemos aceitar uma reforma administrativa que fragiliza os serviços públicos e o papel dos servidores enquanto agentes da sociedade. Por isso o PSB é contra essa proposta”, critica o líder da bancada, Danilo Cabral.

Uma das inconstitucionalidades apontadas pelos socialistas é que, a nova redação dá autonomia maior para o presidente na organização administrativa, sem a necessidade de Lei, suprimindo prerrogativa do Congresso Nacional, em ofensa ao princípio da separação dos poderes. “Representando compartimentos internos da pessoa pública, os órgãos e cargos públicos não podem ser livremente criados e extintos pela só vontade de um governo”, apontam.

Outro ponto é a transformação das funções de confiança em cargos de liderança e assessoramento. Com a retirada da reserva para servidores efetivos, a mudança pode servir para a ocupação do Estado por ‘chefes’ indicados livremente pelos ocupantes do governo, o que permitirá a ocupação, sem limites, por pessoas que não possuam vínculos funcionais com a administração pública, contribuindo para o aumento da corrupção.

Desde o início do ano, quando a CCJ retomou sua atividade,  a oposição fez um forte trabalho de obstrução,  e deve seguir obstruindo nas próximas fases.

“Como alguém pode defender essa reforma? A PEC tenta constitucionalizar a perseguição política”, afirmou o líder da Oposição, Alessandro Molon (PSB-RJ). “Fica claro que é possível a demissão de servidores que estejam ocupando os cargos de liderança e assessoramento que exercem, segundo a PEC, funções técnicas por motivações políticos partidárias. Além disso, extingue todos os critérios de cargos comissionados, eu pergunto, isso é moderno?”, questionou Molon.

Estado fraco

A proposta de Reforma Administrativa foi encaminhada no bojo das discussões sobre a necessidade de preservar o Teto de Gastos. Mas, em termos de percentual do PIB, os gastos com servidores são de apenaas 2,53%. Em relação à Receita Corrente Líquida, a despesa com pessoal é de 23,9%, menos da metade do limite da Lei de Responsabilidade Fiscal, que é de 50% – considerando ativos e inativos. Considerando apenas os ativos, o percentual da Receita Corrente Líquida é de 14,2%, menor que os gastos com pessoal do setor privado, que é de 18,6%.

“O Estado que se propõe, com a proposta de Reforma Administrativa apresentada, é um Estado mais fraco, não um Estado menor ou mais eficiente. O PSB, historicamente, defende um Estado mais eficiente, que funcione bem e produza entregas relevantes e indispensáveis para a população”, afirma nota técnica da bancada.

Impacto fiscal negativo e aumento da corrupção

A proposta enviada pelo governo ao Congresso foi apresentada como iniciativa de corte de gastos necessário para o reequilíbrio das contas públicas. Mas o efeito pode ser contrário. É o que aponta nota técnica elaborada pela consultoria legislativa do Senado.

Segundo o estudo, o novo texto aumenta o risco de cooptação do Estado pela iniciativa privada e de redução da eficiência do setor público.

O documento apresenta propostas alternativas para o controle das despesas com pessoal e para a eficiência da administração pública. A nota considera “vaga e oblíqua” a única menção feita ao impacto fiscal na exposição de motivos da PEC.

“Dada a centralidade da temática fiscal para a PEC, não deixa de causar estranheza, ao menos em um primeiro momento, o fato de o Poder Executivo não ter divulgado qualquer estimativa de seu impacto fiscal”, diz trecho da nota.

“Os efeitos previstos de redução de despesas são limitados, especialmente no caso da União. Assim, estimamos que a PEC 32/2020, de forma agregada, deverá piorar a situação fiscal da União, seja por aumento das despesas ou por redução das receitas”, cita o documento.

A nota técnica também considera inadequada a designação “reforma administrativa” para se referir à PEC 32/20. Segundo o estudo, a proposta “contribuiria para o agravamento da corrupção no país” e, portanto, seria mais apropriado chamá-la de “contrarreforma administrativa”.

Segundo o consultor legislativo Vinícius Leopoldino do Amaral, os cálculos demonstram que o setor público teria uma expansão de pelo menos 29% no montante de postos que podem ser ocupados por pessoas sem vínculo.

Além do aumento da corrupção, o estudo aponta como efeitos adversos da PEC a facilitação da captura do Estado por agentes privados e a redução da eficiência do setor público em virtude da desestruturação das organizações.

“Os efeitos previstos de redução de despesas são limitados, especialmente no caso da União. Assim, estimamos que a PEC 32/2020, de forma agregada, deverá piorar a situação fiscal da União, seja por aumento das despesas ou por redução das receitas”, conclui o levantamento.

Fonte: PSB nacional - Com informações do Estadão, Sindilegis e Congresso em Foco