Bolsonaristas criam uma “Amazônia paralela”, diz estudo

23/03/2022 (Atualizado em 23/03/2022 | 14:49)

Crédito: Adriano Machado/Greenpeace
Crédito: Adriano Machado/Greenpeace


A estratégia do governo de Jair Bolsonaro (PL) para seguir com a destruição da fauna e da flora brasileiras passa não só pelo enfraquecimento das legislações e o desmonte dos órgãos ambientais. Também está calcada na implementação de um discurso alternativo sobre a Amazônia. Uma verdadeira fabulação que vem sendo construída ao longo desses últimos anos por grupos de extrema direita.

Na última semana, a revista Earth System Governance publicou um estudo sobre como grupos de apoiadores do atual presidente reproduzem discursos que contestam e desacreditam sistemas de monitoramento por satélite que há décadas geram dados confiáveis sobre o uso do solo. O método é utilizado, por exemplo, pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e revela, por exemplo, o avanço do desmatamento e das queimadas.

O estudo é do Instituto de Estudos Avançados em Sustentabilidade (IASS), da Alemanha, e da Universidade Metropolitana de Santos (Unimes) e revela esses grupos ‘bolsonaristas’ tentam impeor uma “verdade alternativa” sobre a Amazônia. Nesse discurso sobre o bioma, o desmatamento seria um preço justo para garantir o desenvolvimento econômico.

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Em um texto publicado no site da Rede Observatório do Clima, o pesquisador Leandro Siqueira, um dos autores do estudo, afirma que esses grupos desenvolveram um modus operandi. “Ao chegarem ao poder, os grupos de extrema-direita se deram conta que para desmatar mais não adianta negar que há desmatamento. Perceberam que, além de desqualificar o que dizem boa parte dos cientistas, é preciso construir uma verdade segundo a qual ainda há muita árvore para ser derrubada”, afirma. 

Ao entenderem que dados são importantes para construir essa “realidade paralela”, passam a buscá-los para endossar o discurso de que ainda há lugar para o desmatamento na flores amazônica. De acordo com a pesquisa, esses grupos trabalham não apenas na lógica as fake news, mas também por uma “lógica de hipertransparência”. Ou seja, recorrem ao excesso de informação, que confunde ao invés de explicar.

A pesquisadora Cecília Oliveira, principal autora da pesquisa, afirma que ações como o desmantelamento do INPE, o corte de investimentos em pesquisa e a realização de auditoria sobre a veracidade dos dados sobre desmatamento são iniciativas que produzem o discurso de uma Amazônia apta a ser explorada economicamente.

Assim como a compra de satélite privado, o controle estatal dos dados que produz “outro processo de manifestação da verdade da  floresta que legitima as subjetividades dos grupos envolvidos.” Esse estudo vem sendo realizado desde 2018 e avalia a relação entre o uso de satélites e a governança das políticas de mudanças climáticas.

É realizado um estudo genealógico da digitalização da floresta,s seguido de uma cartografia sobre como esses processos estão sendo incorporados pelo Estado brasileiro desde 2003 – período do primeiro governo Lula. Quando Marina da Silva foi ministra do Meio Ambiente ocorreu a abertura dos dados de satélite para uso da sociedade civil.

Nesse período tem início a formação de um regime de transparência ligado ao investimento no ativismo ambiental. “Os grupos que participaram desse processo foram, em sua maioria, ONGs, movimentos sociais, think tanks de tecnologia, entre outros”, afirma Oliveira.

Discurso anticiência

Quando Jair Bolsonaro (PL) assume a presidência da República, há uma ruptura no processo de transparência. Tem início esse regime de “hipertransparência” em que os processos de auditoria são constantes e há uma superprodução de informação, mas por vias alternativas, compostas por diferentes grupos econômicos e políticos.

Para Siqueira, os ativismos sempre agiram para ampliar o acesso às imagens de satélite e a participação de outros grupos, tais como populações indígenas, ribeirinhos, quilombolas, seringueiros, entre outros, na governança da floresta. Por outro lado, o atual governo investe em contra-ativismo: mais informações e menos escolhas.

Há uma articulação negativa do governo contra dados do desmatamento em um nível agressivo e que viola os preceitos tradicionais do argumento científico. “A conclusão do estudo é que o negacionismo pode funcionar, uma vez que existe a ciência e também o discurso sobre a ciência. Esse discurso tem um peso tão grande quanto a ciência em si, pois é como a sociedade se relaciona com ela”, explica o ex-diretor do INPE, Gilberto Câmara.

Câmara lembra que nem sempre esse discurso é baseado em fatos reais, mas sim em factoides. “O INPE, por exmplo, contribui há anos para o debate público e o que o atual governo faz é contestar esses dados com base em um outro discurso sobre eles”, comenta.

Para o ex-diretor do INPE, o estudo é um alerta de que é urgente avançar no entendimento desse instrumento utilizado por esses grupos de extrema-direita e autoritários.

“Percebemos que o negacionismo não se reduz à rejeição da realidade, ou de uma verdade científica, mas que o projeto desses grupos autoritários é mais amplo,  buscando produzir uma nova verdade ou realidade. Neste sentido, fica mais do que claro como a ciência e a produção de conhecimento científico estão no alvo das disputas que vemos hoje e se acirrarão cada vez mais”, conclui.

*Com informações do Observatório do Clima

Fonte: Socialismo Criativo