Coronel bolsonarista é novo personagem no enredo do vacinoduto

07/07/2021 (Atualizado em 06/08/2021 | 02:34)

Foto: Reprodução/Redes sociais
Foto: Reprodução/Redes sociais

Desde que o cabo da PM Luiz Paulo Dominghetti afirmou na CPI da Pandemia ter recebido um pedido de propina de US$ 1 por dose de vacina oferecida ao Ministério da Saúde, a cada dia surgem mais detalhes da negociação que colocou, de um lado, o PM, um reverendo e um executivo de uma empresa obscura dos Estados Unidos – e de outro, funcionários indicados pelo Centrão do deputado Ricardo Barros (PP-PR) e coronéis subordinados a Eduardo Pazuello. Na última sexta-feira (01), na CPI, um novo personagem passou a fazer parte desse enredo.

Trata-se do coronel da reserva Helcio Bruno de Almeida, presidente do Instituto Força Brasil, que defende causas bolsonaristas como o armamento da população, o voto impresso e o tratamento precoce. O vice-presidente da entidade é o empresário Otavio Fakhoury, investigado na CPI das Fake News. Helcio também é egresso das Forças Especiais do Exército, assim como o secretário-executivo do ministério, Elcio Franco, Pazuello e vários outros homens do governo Bolsonaro. 

Foi a esse coronel que o cabo Dominghetti se referiu quando disse que “um colega de turma” de Elcio Franco viabilizou o encontro. Segundo Dominghetti, Helcio Almeida tinha acesso ao 02 do ministério “por ele ser dos comandos”. Em conversa, por telefone e mensagens, Helcio confirmou que seu acesso ao coronel Elcio vem das Forças Especiais. “Serve como boa credencial”, escreveu. 

Coronel comanda Instituto Força Brasil

O Instituto Força Brasil foi criado em setembro do ano passado, já em meio à pandemia. O site oficial diz que a entidade sem fins lucrativos “se propõe a fazer frente à hegemonia da esquerda como participante do poder, bem assim ao crime organizado nas instituições” e “deste modo, oferecer subsídios para o fortalecimento dos movimentos ativistas conservadores”. 

A reunião dos coronéis aconteceu na manhã do dia 12 de março e estava prevista na agenda oficial do ministério. Mas não era para falar com a Davati, e sim para tratar do  “Contrato Beep”. Em tese, deveria servir para o dono de uma rede privada de vacinação do Rio de Janeiro, a Beep, dar sugestões para regulamentação da lei que permitia a compra de vacinas para o setor privado. 

Mas, no horário marcado, o coronel Helcio apareceu com Dominghetti, o executivo da Davati Cristiano Carvalho e o reverendo Amilton Gomes de Paula, da Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários (Senah), entidade religiosa com sede em Brasília.

“Alguns dias antes da minha audiência eu tive um contato com a Davati e eles comentaram sobre uma proposta de vacinas que haviam feito à secretaria-executiva. E que o assunto estava lá. Como essas vacinas também poderiam ser oferecidas ao setor privado, eu entendi que eles também poderiam participar dessa audiência”.
Helcio Almeida

Reunião de bacanas

Quando o secretário de Pazuello chegou, havia cerca de dez pessoas numa sala anexa ao seu gabinete, incluindo funcionários do Ministério e o presidente da Beep, Vander Corteze. 

Mas a pauta da Davati tomou a maior parte dos 15 a 20 minutos reservados para os visitantes. Segundo um executivo destacado pela Beep para dar informações a reportagem do jornal O Globo sobre o caso, o presidente da empresa ficou atrás do grupo, no fundo da sala, enquanto Dominghetti, Carvalho e o reverendo Amilton Gomes de Paula falavam da proposta das 400 milhões de doses de AstraZeneca – que havia começado a ser discutida a um preço de US$ 3,50, mas já  estava cotada a US$ 17,50 por dose. 

Àquela altura, Dominghetti já tinha feito a oferta ao diretor de logística do ministério, Roberto Dias, que segundo afirmou à CPI pediu propina de US$ 1 por vacina. O pedido teria sido feito no dia 25 de fevereiro, num shopping de Brasília. Dias nega. 

Encontro com Laurício Monteiro

Depois disso, os representantes da Davati se encontraram com o secretário de Vigilância em Saúde, Lauricio Monteiro, na tentativa de fazer a venda se concretizar. Mas o secretário disse que cabia ao 02 do ministério decidir sobre compra de vacinas. 

No dia 11 de março, o reverendo Amilton enviou email ao sócio da Davati nos Estados Unidos, Herman Cardenas, avisando da reunião.

Esses e-mails foram exibidos pelo Jornal Nacional, da TV Globo, no sábado (3). Neles, o reverendo diz que o encontro do dia 12 seria para “tratar de questões relacionadas à aquisição de vacinas da Astrazeneca via Davati, fortalecendo assim a confiabilidade dos laços para futuras aquisições”. Diz, ainda, que a reunião era importante para validar a proposta de preço.

À CPI, Dominghetti que, ao chegar ao ministério, percebeu que Elcio Franco não sabia nada da proposta. “O que nos espantou o Sr. Coronel Elcio Franco não ter conhecimento dessa proposta”, afirmou. “Então, ela foi novamente validada.”

Depois do encontro, os representantes da Davati, o da Beep e os membros do Instituto Brasil foram almoçar na casa de uma amiga do grupo. Não havia restaurantes abertos, porque a capital federal estava em lockdown. 

Divergências nos relatos

Os e-mails em poder da CPI informam ainda que o reverendo esperava assinar o contrato no próprio dia 12, mas isso não aconteceu nem naquele dia, nem depois. A Davati afirma oficialmente que não recebeu mais nenhum contato do ministério. Tampouco há provas de que os representantes da Davati tivessem mesmo 400 milhões de doses de AstraZeneca para vender. A farmacêutica afirma que a Davati não tinha procuração para representá-la. 

O coronel Helcio Almeida – que, em seus perfis, se apresenta como especialista em geopolítica e segurança – diz que só levou os negociadores de vacina ao ministério porque checou “com os Estados Unidos” e confirmou que “eram idôneos”. Perguntado com quem nos Estados Unidos ele conferiu a informação, Helcio respondeu que foi com interlocutores da própria Davati.  

“Meu assunto não tem nada a ver com vacina. Somos inclusive a favor do tratamento preventivo. Eu fiquei seguro porque a informação que eu recebi foi de uma pessoa idônea dos Estados Unidos, um consultor da Davati. Eu conferi as informações que eu tinha no momento. Estava absolutamente tranquilo de que não havia nenhum problema nessa relação”.
Helcio Almeida

Há divergências entre o relato feito pelo representante da Davati à CPI e as informações que o coronel Helcio deu à coluna. O coronel afirma que foi procurado pela Davati dois dias antes da reunião no ministério, e só então se ofereceu para levá-los ao encontro. 

Mas, a senadores da CPI, os representantes da Davati afirmaram ter recebido um contato de Helcio no final de janeiro, junto com o reverendo Amilton, se oferecendo para facilitar o acesso do grupo ao Ministério da Saúde.

Coronel “abria portas no governo”

O executivo indicado pela Beep para prestar informações também afirmou que Helcio foi indicado por pessoas do mercado de laboratórios que o descreveram como alguém que abria portas no governo. 

“As portas já estavam abertas, porque já tinha uma audiência marcada”, diz Helcio Almeida. De fato, estavam. Mas a conversa não evoluiu.

Segundo Dominghetti, “houve uma troca de olhares, ele  (Elcio) abaixou a cabeça, simplesmente saiu e pediu para que dois estagiários pegassem os nossos nomes, que entrariam em contato, que ele ia validar a proposta da Davati.”

Apesar de ter feito a intermediação da reunião, o coronel Helcio Almeida diz que não há relação comercial entre ele e a Davati. Segundo ele, o único objetivo era ajudar o ministério a conseguir vacinas.  “Eu fiz o que pude, por altruísmo, naquele momento.”

Coronel Helcio é a favor de “tratamento preventivo”

Além do contato próximo com os militares, o coronel Helcio Almeida tinha como cartão de visitas o próprio Instituto Força Brasil. Segundo o coronel, embora tenha sido formada só em setembro do ano passado, a  entidade vinha sendo planejada junto com Otavio Fakhoury e outros sócios desde 2018, quando se juntaram para militar a favor de Bolsonaro. 

Seu primeiro projeto era desenvolver um aplicativo “de teleconsulta e diagnóstico imediato pelo médico” para oferecer “tratamento preventivo” aos primeiros sintomas de covid.

Algo semelhante ao TrateCov, que foi depois criado pelo Ministério da Saúde. Assim como no caso das vacinas, não foi adiante. 

General da reserva assume cargo de Roberto Dias

O general da reserva Ridauto Fernandes foi nomeado nesta quarta-feira (7) como diretor do Departamento de Logística (DLOG) do Ministério da Saúde. O cargo estava vago desde a semana passada, quando o então diretor, Roberto Ferreira Dias, foi exonerado pela suspeita de ter cobrado propina em uma negociação de compra de vacina.

Fernandes já atuava como assessor do Departamento de Logística desde janeiro, quando foi nomeado pelo então ministro Eduardo Pazuello. Na semana passada, após a exoneração de Dias, ele foi escolhido como substituto do diretor. Agora, foi oficializado no cargo.

Dias prestará depoimento nesta quarta-feira na CPI da Pandemia. Na semana passada, o policial militar Luiz Paulo Dominghetti disse à comissão que o então diretor cobrou propina para viabilizar a compra de 400 milhões de doses da vacina AstraZeneca. Dias nega a acusação.

Ridauto Fernandes já defendeu estado de sítio

Ridauto Fernandes já defendeu que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) fizesse uma intervenção nos estados e até declarasse estado de sítio para determinar as regras de circulação durante a pandemia de covid-19.

Em abril de 2020, em meio a disputas entre a União e estados sobre o fechamento do comércio e serviços para diminuir o contágio do novo coronavírus, Fernandes escreveu um artigo debatendo o uso de três possíveis ferramentas pelo governo federal: uma intervenção nos estados ou a decretação de estado de defesa ou de sítio.

Ele argumentou que as três medidas seriam possíveis e legais, mas conclui que “a adoção do Estado de Sítio é a que melhores condições apresenta para o caso específico”.

Roberto Dias mandava, Pazuello obedecia

Famoso pela frase “um manda, outro obedece”, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello tinha fama de ser alguém sem voz de comando até mesmo no trato com subordinados. É o que indica uma troca de mensagens encontrada no celular do cabo PM de Alfenas, Luis Eduardo Dominguetti.

No dia 20 de fevereiro, um contato identificado como Guilherme Filho Odilon explica a Dominguetti o caminho das pedras para vender vacinas ao governo: “a pessoa que tem a caneta é o Roberto Dias, caso ele tenha interesse, o Ministro acata”. Roberto Dias era o diretor de Logística do Ministério da Saúde e, portanto, subordinado a Pazuello, e teria pedido a Dominguetti propina de US$ 1 por vacina. Odilon é o homem que colocou Dominguetti no ramos de venda insumos médicos.

Além de Roberto Dias, outro personagem apontando como peça-chave na estrutura é o coronel Blanco. Blanco é o tenente-coronel Marcelo Blanco da Costa, assessor do Departamento de Logística, e que também estaria no jantar em que foi pedido propina, segundo Dominguetti. “O Blanco abriu a porta, agora é com vocês”, incentiva Odilon. No depoimento que prestou na CPI da Pandemia, o cabo Dominguetti confirmou o poder do coronel Blanco sobre as maçanetas do Ministério da Saúde. “Eu fui apresentado ao Diretor de Logística Roberto Dias pelo Coronel Blanco”, garantiu o PM.

Negociações de vacina podem levar José Levi à CPI

A enrolada negociação entre Ministério da Saúde e a empresa Precisa Medicamentos para a compra das vacinas Covaxin reacendeu a ideia de convocar José Levi, ex-advogado-geral da União, à CPI da Pandemia. Vice-presidente do colegiado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP) quer que o ex-AGU seja convocado como testemunha.

Ele alega que Levi estava no cargo entre abril de 2020 e março de 2021, período em que foi assinado contrato entre o Ministério da Saúde e a empresa Precisa Medicamentos, para compra das fabricadas pelo laboratório indiano Bharat Biotech.

Para Randolfe, Levi tem de explicar qual foi a atuação da AGU no processo e na assessoria ao Ministério da Saúde e à Presidência da República.

Com informações do jornal O Globo e G1

Fonte: Socialismo Criativo