Artigo: Heterogeneidade espacial, planejamento e fragilidade

10/09/2020 (Atualizado em 10/09/2020 | 16:00)

A heterogeneidade de um espaço traduz a diversidade de condições e situações apresentadas por esse espaço, dentro de certos limites — de área, escala e tempo. No caso dos sistemas naturais a heterogeneidade espacial reflete a complexidade ecológica dos sistemas, que se apresenta sob diferentes padrões, alguns fortemente pressionados pela atividade humana e outros totalmente alterados pelo homem.

O Pampa, por exemplo, que no Brasil compreende um espaço relativamente pequeno (2% do território nacional), mas expressivo no Rio Grande do Sul (65% do espaço gaúcho) mistura diferentes composições microclimáticas, formas de relevo, materiais geológicos, tipos de solos e coberturas da vegetação, que associadas à fauna compõem a heterogeneidade da paisagem e dos processos ecológicos que operam nesses terrenos.

Um extenso complexo de áreas naturais que aos poucos vêm sendo ocupada e transformada pela presença humana, num processo histórico de ocupação e desenvolvimento. E mesmo que em melhores condições de preservação, quando comparado com o bioma Mata Atlântica, presente na porção norte do Estado, esse sistema já apresenta áreas densamente ocupadas e a concentração de usos bastante diversificados.

A elevada heterogeneidade espacial do Pampa sugere que os usos não devem ser contínuos, mais do que isso, que os usos devem obedecer a limites de pressão, impostos, quase sempre, pelas características da paisagem e processos ecológicos associados. Ou seja, não se pode impor o mesmo uso ou a mesma pressão em todos os espaços desse bioma. Deste modo, é preciso reconhecer, primeiro, o potencial de cada um dos terrenos, a fim de garantir que os empreendimentos idealizados não venham interferir nos fluxos que garantem o funcionamento dos sistemas e a permanência dos serviços prestados pela natureza. Em outras palavras, é preciso planejar para garantir o uso responsável dos recursos.

O planejamento ambiental, voltado às características e limitações ecológicas busca, desta forma, preservar a integridade do ambiente, diminuindo a intensidade dos processos de degradação e dos seus efeitos deletérios representados, principalmente, pela erosão, perda de qualidade do solo, comprometimento da biodiversidade, e contaminação da água e do solo. Portanto, busca como meta final da proposta de manejo, elevar a condição de sustentabilidade, a qual inclui de forma inter-relacionada, além de cuidados ambientais, interesses econômicos e preocupações sociais.

Para tanto, para formular predições sobre o comportamento dos ecossistemas, faz-se necessário obter informações sobre a natureza das estruturas dos ecossistemas e saber como ela varia espacialmente. Para tal, deve ser estabelecida, segundo uma perspectiva de sistemas, a base para o conhecimento das características que compõem os diferentes terrenos, suas unidades e relacionamento de seus componentes.

Infelizmente, a integração dos sistemas não é uma tarefa fácil e às vezes varia em perspectiva. A estrutura vertical dos sistemas revela a relação de seus componentes num sítio local, numa sobreposição de elementos que se estende da rocha base à atmosfera. E a estrutura horizontal parte da constatação de que uma paisagem compreende a reunião de diferentes padrões e neles o predomínio de um ou mais ecossistemas.

O conhecimento das características do espaço ganha importância na medida em que permite avaliar ou prever como os ecossistemas, em diferentes escalas, podem se comportar se expostos a diferentes formas de pressão ou manejo. E uma forma útil da relação entre os temas, com vistas ao manejo, é por meio da análise de fragilidade, que compreende um processo analítico e hierárquico, onde diferentes variáveis do ambiente podem ser consideradas.

Os padrões de fragilidade permitem, ainda, melhorar a percepção dos processos e a definição de estratégias válidas à conservação, que quando combinadas a uma análise de tempo (estabelecimento temporal do uso) podem refletir a tendência dos estabelecimentos ou da pressão, viabilizando reconhecer que áreas devem ser imediatamente preservadas. 

A fragilidade do ambiente deve orientar, também, o estabelecimento e a gestão de empreendimentos, contribuindo para o reconhecimento de áreas mais adequadas ao uso humano. Uma nova ferramenta, que associada ao propósito do planejamento pode servir de instrumento gerador de políticas públicas de regulação e ajuste, num processo contínuo de construção do desenvolvimento com características de sustentabilidade.


Professor Marcelo Dutra da Silva
Membro do PSB de Pelotas
Ecólogo – Doutor em Ciências
Instituto de Oceanografia - Universidade Federal do Rio Grande

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